Pará tem três presos políticos.
Com informações do Blog da Franssinste.
Acolhendo representação do delegado de Polícia Civil Rommel Felipe Oliveira de Souza, superintendente regional do Lago de Tucuruí, o juiz Pedro Enrico de Oliveira incontinenti decretou a urgente prisão preventiva de Simião Nogueira de Moraes, Josicleison do Nascimento Silva e Herlen Ulisses Batista Garcia, ontem – já cumpridas, tendo os três, inclusive, sido transferidos para o presídio – , porque hoje à tarde o governador Helder Barbalho e comitiva estarão em Tucuruí para “atos de natureza políticoinstitucional em diversos locais da cidade, promovidos pelo Município de Tucuruí em parceria com o Governo do Estado do Pará”, e a “inteligência da Polícia Civil identificou associação criminosa que tem praticado diversos crimes contra a honra do Governador do Estado do Pará e de outras autoridades públicas que participarão do evento, apontando para a provável ocorrência de confrontos entre os representados e os populares que ali estarão presentes; Os representados estão se organizando para praticar novos crimes contra a honra e contra a integridade física das pessoas que participarão ativamente das solenidades, por meio de arremesso de ovos.” (sic).
Trata-se de evidente prisão política, algo inaceitável e execrado em qualquer regime democrático, precedente gravíssimo que pode ensejar no futuro a prisão, desaparecimento e morte de qualquer cidadão, nos moldes do que aconteceu nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, de cujas vítimas ainda hoje as famílias buscam os corpos. A censura prévia foi banida pela Constituição em 1998, que garantiu o direito à livre manifestação e expressão. Tanto a representação do delegado quanto a decisão judicial precisam de urgente reparo, no sentido da imediata revogação, em nome da Justiça, do Estado de Direito, da salvaguarda dos mais caros princípios constitucionais e decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal, de obrigatória observância. O próprio governador Helder Barbalho, aliás, pode e deve requerer que cesse tal violência, porque certamente, por seu elevado espírito público, não há de concordar com ela e muito menos patrociná-la.
O delegado juntou áudios e transcrições de gravações que circularam em aplicativos de conversas instantâneas e redes sociais, alegando que isso tem provocado a desestabilidade da ordem pública e o risco de cancelamento das solenidades, e indiciou os três pela prática dos crimes de constrangimento ilegal e de associação criminosa. Sem remeter os autos ao Ministério Público para manifestação, o juiz Pedro Enrico – que sempre foi muito atuante e empenhado na aplicação da Justiça – agiu de modo precipitado.
O próprio magistrado enfatiza, na sua decisão, que “os áudios e as suas respectivas transcrições constantes dos eventos ID 27001499, ID 27001500, ID 27001503, ID 27001504, ID 27001505 e ID 27001509 não indicam de forma substancial a prática de condutas típicas; retratam tão somente a emissão de opiniões de natureza política, meras críticas ao Governador do Estado do Pará, pessoa pública e sujeita a tais opiniões negativas, com o uso de vocábulos característicos e jocosos, nada havendo a se considerar negativamente“. Mas entendeu em outros “existir a associação dos representados para a prática de crimes nas solenidades informadas”.
Tão apressado correu o processo que o indiciamento formal é por “constrangimento ilegal”, conforme se verifica pelos autos (vejam as fotos da decisão) mas o juiz decretou as prisões preventivas por associação criminosa, entendendo não ser “necessária a prova de que houve perigo de dano concreto ao bem jurídico, senão a mera previsão legal da presunção do perigo”. O crime terrível (que sequer foi cometido, só comentado em tom de galhofa)? Jogar uma cartela de ovos no governador. De lembrar-se que para proteção das autoridades existem a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Guarda Municipal, e ainda podem ser requisitadas a Polícia Federal e a Força Nacional.
Em recentíssima decisão – anteontem – o ministro Alexandre de Moraes, relator no STF da reclamação nº 47.126 (1164), enfatizou: “Em observância ao princípio da responsabilidade subjetiva que vigora no ordenamento jurídico-penal pátrio, no que tange à acusação do delito de organização criminosa, caberá ao Ministério Público produzir os elementos de prova capazes de demonstrar, em relação a cada um dos acusados, a perfeita subsunção das condutas que lhes são atribuídas ao tipo penal que tutela o bem jurídico supostamente violado, em especial o seu elemento subjetivo, composto pelo dolo de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa”.
E lecionou:”As garantias fundamentais ao Devido Processo Legal e ao Juiz Natural, diferentemente do que ocorria nos textos constitucionais anteriores, foram incorporadas ao texto da Constituição brasileira de 1988. A imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no Devido Processo Legal e no princípio do Juiz Natural, proclamadas nos incisos LV, XXXVII e LIII do art. 5º, da Constituição Federal, uma de suas garantias indispensáveis.
Como consagrado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: O princípio da naturalidade do Juízo – que traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas – atua como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado e representa importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais (STF – 1ª T. – HC 69.601/SP – Rel. Min. CELSO DE MELLO, Diário da Justiça, Seção I, 18 dez. 1992, p. 24.377).
O juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal, devendo ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e a imparcialidade do órgão julgador.
Nesse mesmo sentido, decidiu o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FEDERAL ALEMÃO: O mandamento ‘ninguém será privado de seu juiz natural’, bem como ocorre com a garantia da independência dos órgãos judiciários, deve impedir intervenções de órgãos incompetentes na administração da Justiça e protege a confiança dos postulantes e da sociedade na imparcialidade e objetividade dos tribunais: a proibição dos tribunais de exceção, historicamente vinculada a isso, tem a função de atuar contra o desrespeito sutil a esse mandamento. Como esses dispositivos em sua essência concretizam o princípio do Estado de Direito no âmbito da constituição (organização) judiciária, elas já foram introduzidas na maioria das Constituições estaduais alemãs do século XIX, dando-lhes, assim, a dignidade de norma constitucional. O art. 105 da Constituição de Weimar deu prosseguimento a esse legado. À medida que os princípios do Estado de Direito e Separação de Poderes se foram aprimorando, também as prescrições relativas ao juiz natural foram sendo aperfeiçoadas. A lei de organização judiciária, os códigos de processo e os planos de distribuição das causas (definidos nas Geschäftsordnungen – regimentos internos) dos tribunais determinavam sua competência territorial e material, (o sistema de) a distribuição das causas, bem como a composição dos departamentos individualizados, câmaras e senados. Se originalmente a determinação ‘ninguém será privado de seu juiz natural’ era dirigida sobretudo para fora, principalmente contra qualquer tipo de ‘justiça de exceção’ (Kabinettsjustiz), hoje seu alcance de proteção estendeu-se também à garantia de que ninguém poderá ser privado do juiz legalmente previsto para sua causa por medidas tomadas dentro da organização judiciária (Decisão – Urteil – do Primeiro Senado de 20 de março de 1956 – 1 BvR 479/55 – Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Coletânea Original: Jürgem Schawabe. Organização e introdução. Leonardo Martins. Konrad Adenauer – Stiffung – Programa Estado de Derecho para Sudamérica, p. 900/901).”
Agradeço a Hamilton Francês a gentil cessão das cópias dos documentos processuais.
Com informações do blog da Franssinste Uruatapera